DIÁRIO DE MARIA REGINA
DIA 2
oi diário (ainda não decidi teu nome), tudo bem?
eu não. tô numa puta de uma ressaca.. quando digo ressaca, não é aquela dorzinha de cabeça básica, leve, que a gente tem depois de um bom porre de vinho.. é uma ressaca homérica, daquelas que doem o corpo e a consciência (ou falta dela).
a festa foi uma loucura, em todos os sentidos. eu fico chocada com esse liberalismo dos pais do ricardo, cara.. a mamãe não me deixaria fazer uma festa aqui nem pra salvar uma vida (nem a dela nem a de ninguém). como se eu quisesse fazer uma festa aqui, aliás. pra saírem falando mal da música, da comida, das pessoas e até da decoração? não, obrigada. minha auto-estima não necessita de mais um baque desses..
enfim, sem mais devaneios, deixa eu ir ao que interessa: a festa.
pra começar, acabei me decidindo por ir com uma batinha florida da banana republic, uma calça ultra skinny da m. officer e havaianas douradas com swarowski. sem modéstia nenhuma, estava linda x)
a laila veio de carro me buscar lá pela meia noite e meia. chegando na festa, já tinha muita gente, muito barulho e (thank god), muita bebida. logo encontramos a mari, o fred, a penny, a cris e o agostinho. com eles, estava o matheus, mas escrevi sobre ele separadamente justamente porque ele é uma categoria à parte. categoria que não me agrada nem um pouco, diga-se de passagem.
tudo começou a muito tempo atrás, tanto tempo que nem sei dizer com precisão. 17, 18 anos? nossos pais se conhecem desde que nascemos, eu acho, pois são grandes parceiros de negócios. mas sabe, ele nunca gostou muito de mim, desde que éramos pequenos demais até mesmo pra fazer algo além de chorar e babar. no parquinho da minha casa, ele jogava areia em mim. quando brincávamos de power rangers, ele queria ser a ranger amarela só porque ela era minha preferida! quer dizer, nem mulher ele era! só queria me provocar mesmo.. o fato é que eu não tenho idéia do porquê, mas com o passar do tempo, a animosidade só foi aumentando.. ele é detestável comigo, sabe? daquele tipo que é capaz de cumprimentar todo mundo numa roda de amigos e nem olhar na minha cara. e foi mais ou menos o que aconteceu na noite passada.
custava ele me dar um 'oi'? pelo jeito, sim, porque quando cheguei, ele saiu. todo mundo se olhou, meio constrangido, e a laila tratou logo de entabular uma conversa. dois minutos depois, eu já estava bem à vontade, falando mal da roupa dos outros, do ambiente, e de todo o resto, fofoca pura e simples. sempre fui adepta da palavra pela palavra, fofoca pra passar o tempo, bebida pra esquecer da vida. prerrogativas básicas pro meu bem-estar, e que são abundantes nessas festas.
o fato é que esta noite parecia ser só mais uma. e como em qualquer outra, eu estava fazendo o possível pra me divertir. no início, 1 marguerita. de uma em uma, tomei 5, que foram seguidas por dois martinis e, pra completar, batida de maracujá. mas a perdição foi uma tacinha de absinto. como uma coisa tão pequena pode nos prostrar desse jeito? pra ser sincera, não é a minha bebida preferida, desce rasgando, me sinto tonta só de cheirar. mas tem toda aquela atmosfera do proibido, por isso, acho digno beber absinto nessas festinhas, agindo com aquela pose de profundo conhecedor de todos os tipos. é cool falar: 'adoro esse trenet. absintos franceses em geral têm um gosto exótico que me agrada muito'. como se alguém entendesse o que quero dizer, sabe? aliás, como se eu mesma entendesse. mas enfim, tudo começou (e terminou) com uma taça de absinto e um carlton red oferecidos pelo agostinho.
depois de tomar, com esforço, a taça inteira, e terminar o cigarro, fui dar uma volta pela piscina. à essa altura, a laila já estava atracada com um ex-ficante e eu, tonta demais pra manter um diálogo coerente. não tinha muita gente lá, a maioria do pessoal estava dançando no salão improvisado pro dj que o ricardo contratou. aliás, nem sei como ele conseguiu esse feito, porque o dj em questão é dinamarquês e veio pro brasil pra apenas algumas apresentações. o hype do momento, saca? e que me fez pensar que os contatos do rick não eram de se jogar fora.
enfim, o friozinho da parte de trás da casa contrastou com o calor que eu sentia, em parte pela adrenalina da dança, em parte pelo absinto. se eu pudesse descrever a atmosfera que pairava no ar, eu diria que a estratosfera se confundiu com o céu, e que eu estava caminhando por um mar de nuvens que não me deixavam enxergar nada além da minha própria liberdade. simplesmente viva. não preciso de nada muito grandioso pra me sentir assim, apenas respirar sem culpa.
sentei na beira de piscina e me lembrei daquele quadro do caravaggio.. sabe qual? o narciso. eu tava na mesma posição, me vendo refletida na água. a única diferença era a ausência total de expressão.. eu não me adorava, não me cultuava.. apenas me olhava e acreditava que eu estava viva, bem ali. e nesse momento, percebi que realmente estava bêbada. quer dizer, quem pensa em caravaggio às 3 da manhã quando o dj mais famoso do mundo tá tocando na sala ao lado? acertou quem disse UM BÊBADO.
neste exato instante, olhei pra frente, decidida a me levantar e voltar pra junto dos meus amigos. e lá estava ele, do outro lado da piscina: 1,85 de altura, eu diria. e mais ou menos 90 kg muito bem distribuídos em forma de massa muscular. cabelos cacheados, castanhos. nem claros nem escuros, estranhamente castanhos e brilhantes, e emolduravam seu rosto com perfeição. lábios completamente simétricos; o nariz grande, porém bem delineado; e os olhos meio ocultos, talvez efeito da noite, talvez da minha visão anuviada pela bebida. é claro que não descobri tudo isso na primeira olhadinha, mas é que, subitamente, apolo veio em minha direção. seu nome, aliás, era guilherme, mas apolo lhe conviria perfeitamente.
o perfeito espécime de ser humano começou a conversar comigo, sobre banalidades.. e a partir de um determinado momento da conversa, não me lembro mais de nada. não tenho idéia do que aconteceu, mas acordei esta tarde na minha cama, sem noção de como vim parar aqui. fui correndo atrás da mirella, joguei uns verdes pra ver se ela sabia de alguma coisa, mas parece que ninguém viu nada, absolutamente nada de anormal na casa, nenhum movimento desconhecido.
droga, eu preciso descobrir o que aconteceu! quer dizer, o apolo pode ter me estuprado! ou todos os caras que estavam lá podem ter feito fila e transado comigo, um a um, anulando o resto de dignidade que eu ainda conservava! ou, sei lá, todo mundo da festa pode ter me visto desacordada e me ridicularizado, isso é tao desesperador!
já tentei ligar pra laila milhões de vezes, mas seu celular está desligado. e o telefone da casa, pra variar, está ocupado. então tô indo pra lá agora, e não saio até falar com ela, nem que eu espere até amanhã. preciso esclarecer essa história.. você não faz idéia do que tô sentindo.. é um desespero latente, palpável, fodido. odeio me sentir assim, impotente e desinformada, principalmente sobre minha própria vida.
então tô indo lá; assim que eu voltar, conto tudo. e se alguém fez alguma merda pra mim, quem quer que tenha sido, tenha certeza de que vai pagar muito caro.
tchau, diário. wish me luck.