我的唯一的上瘾将要是困难的

我的唯一的上瘾将要是困难的

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

olho por olho, dente por dente

aqueles olhos verdes não me enganavam. olhos de mar. como uma onda mesmo, daquelas que chega de mansinho na praia e carrega consigo tudo o que está na areia. pelo menos era assim que eu me sentia. como uma presa prestes a ser engolida pela fera, tentei desviar do olhar, focar a atenção no sorriso, nas mãos grandes, no queixo másculo, mas os olhos sempre me atraiam de volta. a onda traiçoeira acabava me engolindo. aqueles olhos me matavam.

de resto, me sobrou reclamar. reclamar apenas em folhas de papel, é claro, pois ele não tolerava qualquer tipo de mau humor. e foi de reclamação em reclamação que me dei conta do meu talento pra descrição inútil. do fulgaz ao eterno, minha diversão era dar cores ao sépia. e assim, descobri que seus olhos verdes na verdade eram apenas uma ironia do destino. olhos de anjo num demônio, somente pra ocultar o mal que existia lá dentro. um yan yang complexo, porque esqueceram de delimitar a fronteira da parte negra, e esta, de vez em quando, invade a branca, principalmente em horas de raiva latente ou grande decepção. nesses momentos, o bom observador enxerga uma chama de crueldade lá dentro. e foi exatamente o que aconteceu no dia em questão.

seu nome, outra ironia, era gabriel. só pra ratificar a idéia de lobo em pele de cordeiro. pleonasmo não-vicioso, acidentalmente natural, não descarto nem a hipótese da hipérbole. posso estar falando grandes bobagens, mas a natureza realmente caprichou nos significados subliminares quando criou gabriel. e seus olhos eram tão sobrenaturais que viraram meus objetos de estudo preferidos. ok, ok, únicos, não tenho nenhum outro objeto de estudo. aqui posso assumir, tenho obcessão por seus olhos. e com tanta análise, cataloguei todos os seus olhares.

eram 25 ao todo. um quando está avaliando alguém. e um pra quando está gravando alguma informação mentalmente. tem um pra quando está feliz de verdade, e um pra quando acha que deve se mostrar agradecido, mesmo que não esteja. um pra quando mente coisas sérias e outro pra mentiras casuais. tem um olhar de inveja e outro de real cobiça. um pra quando realmente gosta de alguém e outro quando está surpreso. um pra quando está comendo doces e outro pra salgados. tem um olhar pra quando está fumando calrton e um pra quando fuma outros cigarros. tem um olhar pra quando ouve gary moore e outro pra quando dança música eletrônica. um pra quando está chapado de dramin, e um quando atende o telefone. tem um olhar de aprovação, e um olhar de ironia que ninguém bota defeito. tem o olhar pra quando acha as pessoas otárias, e outro pra quando está carente. ainda existe um pra quando ele chora e um pra quando não consegue parar de rir. e finalmente, tem o olhar que eu mais gosto: o jeito que ele olha depois de beijar. é o patamar mais próximo da perfeição aonde um mortal pode chegar.

resumindo, sou mesmo apaixonada por seus olhar e não precisa ser genial pra saber. e vou parar de detalhar seus olhos, senão nunca terminarei a história.

era um dia comum, ou pelo menos isso era o que pensávamos. estávamos os dois no carro, indo ao cinema. ele dirigindo e eu, pra variar, observando seus olhos pelo espelho retrovisor. estavam analisando o trânsito, mas seu pensamento parecia estar em outra coisa. de repente, suas mãos começaram a deslizar pela parte interna da minha coxa. ele me olhou: olhos de desejo. sim, ele tem esse olhar, embora eu não tenha mencionado. e do cinema, fomos parar no motel. não entendo porque ele gosta tanto de motel, se podemos transar no meu apartamento ou no dele, mas o gabriel é muito guiado por clima. no motel, ele aguenta 5 vezes. em casa, nem 2. detalhes à parte, lá vamos nós.

era realmente tudo uma questão de clima. algemada na cama, gemia de dor por causa da cera de vela que gabriel derretia na minha pele. os olhos estavam cruéis, praticamente gozando com meu sofrimento. mas eu aguentava, porque já tinha aprendido a lidar com o sadomasoquismo dele. no fundo eu até gosto que ele me bata. depois de 7 garrafas de vinho, 2 carteiras de calrton e 4 trepadas, fomos embora.

já no trânsito, um carro começou a nos seguir. fez sinal pra encostarmos na ponte, mas gabriel aumentou a velocidade. bêbado, completamente bêbado, ele guiava o carro. batemos num poste. os caras do carro de trás nos assaltaram, e eu pude ver nos olhos de gabriel a impotência, a raiva de não conseguir reagir, a promessa de que se vingaria. os bandidos, pelo visto, também perceberam suas intenções através do olhar transparente. e não hesitaram e dar dois tiros em sua cabeça e um na minha perna, pra eu não fugir. trauma, trauma pra sempre.

agora mesmo estou olhando pros olhos de gabriel, e ainda os amo da mesma maneira. mas me adianto, estou me adiantando. naquela noite, apavorada e completamente sem noção, arranquei um dos olhos dele e enfiei dentro de uma camisinha que tinha na minha bolsa. fiz minha irmã colocar no soro assim que cheguei ao hospital, com a promessa de que ela nunca contaria a ninguém. disse à polícia que os bandidos haviam arrancado seus olhos por pura crueldade, enquanto ele ainda estava vivo. todo mundo engoliu minha mentira e agora, dois anos depois, ainda choro na frente dos meus pais, só pra causar piedade.

mas os olhos de gabriel continuam na minha estante, com o mesmo aspecto de quem está sempre escondendo algo. olhos de cigano, olhos de mar. espero que um dia ele me perdoe por ter armado seu assassinato e roubado seus olhos. mas é que nosso amor não seria eterno, e eu não saberia viver longe desses olhos verdes. não depois de tudo que passamos juntos. e da minha parte, ele está perdoado por ter quebrado dois dentes meus em uma surra, uma semana antes de morrer. mas é como dizem: olho por olho, dente por dente.
____________________________________________________

a fase grotesca continua. obrigada pela força, gente! x)